Várias "vozes" do jazz em conversa no Hot Clube

Terminou esta quarta-feira a sexta sessão das 'Histórias de jazz em Portugal", com as presenças dos músicos António Quintino, José Salgueiro e Óscar Marcelino da Graça e com o concerto de Bernardo Moreira.
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José Salgueiro, António Quintino e Óscar Marcelino da Graça foram ontem os convidados de Manuel Jorge Veloso e António Curvelo na sexta sessão das "Histórias de jazz em Portugal", ciclo no qual ainda atuou no Hot Clube de Portugal o contrabaixista Bernardo Moreira com o seu sexteto.

O percurso do baterista José Salgueiro deu o mote à conversa, tendo recordado histórias de ter tocado com grandes vultos do jazz, como Max Roach ou Wayne Shorter. "Nós aprendíamos só a olhar para ele", disse em relação a Max Roach. Quanto à experiência com Wayne Shorter, no âmbito do Porto Capital Europeia da Cultura, afirmou: "Foi divertido. Não sei se ele tocou connosco, mas nós tocámos com ele."

É um autodidata, apesar de ter chegado a estudar jazz "nas mãos de Zé Eduardo". "Fui um dos sobreviventes", brincou o músico, que tem também um percurso ligado à música popular portuguesa, tendo, inclusivamente, integrado os Trovante. A transição entre a música tradicional e o jazz nem sempre foi fácil. "Aprendi imenso com o Carlos Barretto [faz parte do seu trio Lokomotiv] porque sempre que fazia algo mais certinho ele parava o ensaio e obrigava-me a 'fugir'. Para mim, que venho da música tradicional, onde tudo está mais definido, deparar-me com outra linguagem completamente diferente não foi fácil."

Já o contrabaixista António Quintino, o mais novo dos três convidados, falou da sua experiência como elemento da big band do Hot Clube. "Um músico de big band, em termos de funções, está mais limitado. É preciso respeitar muito a partitura. Tive a sorte de passar a integrar a big band do Hot, que é uma grande escola e que dá oportunidade aos seus músicos de escrever e experimentar arranjos para esta formação, o que é raro."

Nesta sessão das 'Histórias de jazz em Portugal' ouviu-se uma composição inédita do músico, intitulada Querido Major, que fará parte do seu próximo álbum enquanto líder, provisoriamente intitulado Prólogo. "É um bocadinho aflitivo", disse em relação à expetativa de lançar este álbum em nome próprio, que será uma edição de autor. "Só quero ter o disco cá fora", disse.

O pianista Óscar Marcelino da Graça, que tem mantido as funções professor de música paralelamente às de músico, salientou como "a atividade pedagógica traz consequências na forma de tocar, de pensar a música e até de como se está nos ensaios".

Falando do peso das influências, o músico mencionou ainda: "Qualquer músico que pensa sobre música vai tirar partido de influências. Uma coisa é copiar e outra é ser influenciado por. Há sempre uma fase da aprendizagem do instrumento que passa pela imitação, mas a outra fase passa por saber que existem essas influências e objetivar uma música que seja nossa."

Uma vez que Bernardo Moreira era o músico-pivot desta sexta sessão do ciclo, a sua obra também esteve em cima da mesa. António Quintino referiu como deve ser "o único contrabaixista de Lisboa que não foi aluno do Bernardo Moreira". Do seu repertório salientou a composição Ao Paredes Confesso, que se escutou no Hot Clube. "[Nesse tema] o Bernardo guarda a alma portuguesa como [Carlos] Paredes, mas com uma instrumentação muito diferente, mas ouve-se aqui muita portugalidade", afirmou.

Por sua vez o pianista Óscar Marcelino da Graça recordou um disco que gravou com Moreira em 2009, simplesmente intitulado (...), ao lado de Nuno Costa (líder), João Guimarães e Marcos Cavaleiro. O tema que destacou, homónimo, "revela uma das características bastante definidoras da personalidade musical do Bernardo", nomeadamente a "flexibilidade, a capacidade de ser camaleão, de entrar em qualquer ambiente, parecendo que já lá estava antes de todos".

Sendo que Bernardo Moreira integra o trio de Mário Laginha, José Salgueiro destacou um dos temas do álbum Mongrel, que o contrabaixista gravou com esta formação, mais precisamente o Prelúdio n.º 20 op. 28 de Chopin, uma vez que "não se trata de uma linguagem tão específica como o jazz, ainda que tenha muito espaço para o improviso", mas também porque é uma tema que dá "espaço para o contrabaixo de ouvir".

Foi precisamente com a escuta deste Prelúdio n.º 20 op. 28 de Chopin, pelo trio de Mário Laginha, que a conversa entre estas três "vozes" do jazz chegou ao fim.

Seguiu-se o concerto de carta branca de Bernardo Moreira, que o músico fez questão de dedicar a "dois grandes amigos, muito especiais", presentes na plateia.

Acompanhado por André Sousa Machado (na bateria) e Luiz Avellar (no piano), o contrabaixista iniciou a atuação com Saudades dos Aviões da Panair, um original de Milton Nascimento. Pouco depois subiram ao palco os irmãos Pedro e João Moreira, no saxofone e trompete, respetivamente, e Bruno Santos, na guitarra. Foi já com este sexteto que Bernardo Moreira recuperou o seu já mencionado álbum Ao Paredes Confesso (2003), com a interpretação do tema Canção para Carlos Paredes.

Interpretaram ainda Quem à Janela, original de Amélia Muge, e que Bernardo Moreira afirmou que "foi eternizado por Camané, num dos seus discos, e esta é a nossa homenagem a esse momento". Já da autoria do pianista Luiz Avelar o sexteto interpretou o tema Trio.

Já na fase final do concerto a obra de Carlos Paredes foi uma vez mais revisitada com Variações Sobre Uma Dança Popular, uma composição original do guitarrista.

O ciclo 'Histórias de jazz em Portugal' fará uma pausa durante os meses de julho e agosto, retomando a sua atividade em setembro, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, onde a cantora Maria João será a artista em destaque.

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